Sobre enquetes e Pesquisa, Ruivo e Bianchini e outras anotações sobre fato e vontade

Eu sou um gaúcho que tenho formação em Pesquisas científicas. Há algumas décadas entendo de Pesquisas, cursei tudo que era possível sobre tais e vivi, com elas, as maiores alegrias e as piores tristezas de minha vida.

Enquete, para mim, não tem nenhum valor.

Pesquisas servem para induzir o eleitorado indeciso.

Nesse caso de São Francisco de Assis, sou obrigado a concordar com a enquete, mesmo sem rigor metodológico e científico. Não gostar do Julio Ruivo é uma coisa, agora achar que ele não é forte eleitoralmente, é outra.

Não estranho que ele lidere em São Francisco de Assis. Ele é um nome consolidado e tem uma estrutura partidária fortíssima por trás. Em Santiago, ele fará entre 12 e 15 mil votos, hoje, podendo ultrapassar, conforme a máquina que o PP botar na rua. Já Tiago, é um desmiolado, ele não vai a lugar algum.

Ruivo está fazendo uma campanha quieto, Sem estardalhaços. Tem uma humildade singular. Não é a toa que chegou a prefeito de Santiago duas vezes. Achar que ele não tem votos é raciocinar com a cabeça nas nuvens. Alguém ouviu ele atacando os outros nas redes sociais? Claro que não, ele de bobo não tem nada. Ganhou simpatias.

O Deputado Bianchini, que contou com o eleitorado do PP, agora não conta mais. O eleitorado do PP é de Ruivo e o eleitorado de esquerda vai migrar para alguém de esquerda. Bianchini não foi esquerda e nem direita, foi o que ele achava certo, mas agia com sua cabeça. Eu não apoio Ruivo, apenas interpreto os fatos. Bianchini achou que o embalo do TRF4 tinha apoio popular se pôs na redes sociais a atacar o PT e os petistas. Agora, deveria parar e ler a pesquisas IPSOS e ver o quanto de queimou de graça, por bobagem.

Minha missão, é árdua. Quando eu fazia a campanha de Guilherme, doeu-me ver o resultado das pesquisas. Entrei em descompasso entre minha vontade política individual e a realidade que emergia dos fatos sociais expressos nas pesquisas.

Pesquisa é coisa séria. Existem lógicas que poucos entendem. Lula, após a condenação, saltou de 26% para 45%. Aí está a Pesquisa Ipsos. É claro que o povo brasileiro o elegerá no primeiro turno…demonstra também a rejeição ao julgamento, que ninguém acredita no judiciário, nem em Moro e nem nos desembargadores. E digo mais: se prenderem Lula ele salta ainda mais. Logo chegará no 60% sozinho.

Bolsonaro que caiu na Pesquisa DATAFOLHA e decidiu processar o jornal Folha de São Paulo. Só ele e seu staff não notam que sua queda é visível.

Fatos são fatos, realidade é realidade. Vontade pessoal é vontade pessoal.

CONCLUSÕES:

1 – Ruivo está a frente. Realidade. Quem deve se questionar é Bianchini e sua assessoria. Ruivo é um canhão de votos. É um fato.

2 – Bolsonaro despenca. A Pesquisa DataFolha identificou isso. Bolsonaro nunca teve base séria, vive de acusações, perdeu espaço dentre os evangélicos. A direita e os militares não lhe apoiam…o resultado refletiu-se na queda de seu nome nas pesquisas. É um fato.

3 – Lula saltou nas pesquisas depois da condenação. Quase dobrou seu índice. Os teóricos que pensam o poder judiciário deveriam se questionar. O efeito Moro e o TRF4 foi um tiro no pé. Todos notam que o judiciário está semeando ódio no país, só os integrantes do poder judiciário não perceberam. Este escândalo do juiz Bretas e duplo auxílio moradia, tudo legal, tomou um vulto nacional que o staff da magistratura não está sabendo avaliar. São pequenos exemplos, como este do auxílio habitação, que vão impor os maiores retrocessos históricos na magistratura. Pura bobagem, poderia ser diferente. É um fato.

Por bobagem e prepotência de alguns quem mais pagará o desgaste na revolução que está a caminho é o judiciário. Embora eles não acreditem, assim como Bianchini não acredita no potencial de Ruivo e nem Bolsonaro acredita que está despencando.

Fatos são fatos, realidade social é realidade social.

É preciso ser intérprete e ter coerência. Eu sou contra Ruivo, mas reconheço sua força. Sou a favor das garantias dos magistrados, defendo o poder judiciário, mas noto como inevitável o desgaste que atingiu este poder da república.

Fato é fato e vontade não é fato.

Atentem para esta lei: Disciplina a formação e consulta a bancos de dados com informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para formação de histórico de crédito.

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 12.414, DE 9 DE JUNHO DE 2011.

Mensagem de veto
Conversão da Medida Provisória nº 518, de 2010.

Regulamento

Disciplina a formação e consulta a bancos de dados com informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para formação de histórico de crédito.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Esta Lei disciplina a formação e consulta a bancos de dados com informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para formação de histórico de crédito, sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

Continue lendo “Atentem para esta lei: Disciplina a formação e consulta a bancos de dados com informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para formação de histórico de crédito.”

De 458 a.C. a 2018 d.C.: da derrota da vingança à vitória da moral!

* Lênio Luiz Streck

Coincidentemente, no dia do julgamento do recurso do ex-presidente Lula no TRF-4 me encontro na Grécia. E visitei o templo da deusa Palas Atena. Fiquei pensando sobre a história. Eu estava ali, no berço da civilização. E vendo o “lugar” em que a mitologia coloca o primeiro julgamento da história.

Os gregos inventaram a democracia. E, acreditem, também inventaram a autonomia do Direito. O primeiro tribunal está lá na trilogia de Ésquilo, Oresteia, nas Eumênides, peça representada pela primeira vez em 458 a.C. Agamenon, no retorno da guerra de Troia, é assassinado na banheira de sua casa por sua mulher, Clitemnestra, e seu amante, Egisto. Orestes, o filho desterrado de Agamenon, atiçado pelo deus Apolo, é induzido à vingança.

Até então, essa era a lei. Era a tradição. Orestes deveria matar sua mãe (Clitemnestra) e seu amante, Egisto. E ele mata os dois. Aí vem a culpa. É assaltado pela anoia, a loucura que acomete quem mata sua própria gente. Ao assassinar sua mãe, Orestes desencadeia a fúria das Eríneas, que eram divindades das profundezas ctônicas (eram três: Alepho, Tisífone e Megera). As Eríneas são as deusas da fúria, da raiva, da vingança (hoje todas as Eríneas e seus descendentes estão morando nos confins das redes sociais). Apavorado, Orestes implora o apoio de Apolo. Pede um julgamento, que é aceito pela deusa da Justiça, Palas Atena.

Constitui-se, assim, o primeiro tribunal, cuja função era parar com as mortes de vingança. Antes, não havia tribunais. A vingança era “de ofício”. As Eríneas berram na acusação. É o corifeu, o Coro que acusa. Não quer saber de nada, a não ser da condenação. E da entrega de Orestes à vingança. Apolo foi o defensor. Orestes reconheceu a autoria, mas invoca a determinação de Apolo. E este faz uma defesa candente de Orestes. Os votos dos jurados, depositados em uma urna, dão empate.

Palas Atena absolve Orestes, face ao empate. O primeiro in dubio pro reo. Moral da história: rompe-se um ciclo. Acabam as vinganças. É uma antevisão da modernidade.

Em pleno século XXI, autoridades não escondem e acham normal que o Direito valha menos que seus desejos morais e políticos. Na Oresteia, os desejos de vingança sucumbiram ao Direito. Embora a moral seja uma questão da modernidade, é possível dizer que o Direito, nesse julgamento, venceu a moral. Não aprendemos nada com isso.

Como falei alhures, o julgamento de Lula não é o Armagedom jurídico. Mas que o Direito já não será o mesmo, ah, isso não será. Na verdade, o Direito foi substituído por uma TPP (teoria política do poder). O PCJ (privilégio cognitivo do juiz) vale mais do que as garantias processuais e toda a teoria da prova que já foi escrita até hoje.

O mundo apreendeu muito com a Oresteia. Depois do segundo pós-guerra, aprendemos que a democracia só se faz pelo Direito e com o Direito. E o Direito vale mais que a moral. E, se for necessário, vale mais do que a política. Sim, quem não entender isso deve fazer qualquer coisa — como Sociologia, Ciência Política, Filosofia, religião, moral etc. —, menos praticar ou estudar Direito.

Temos um milhão de advogados, parcela dos quais se comporta como as Eríneas das Eumênides. Vi, entristecido, aqui da Grécia, nas redes sociais brasileiras, pessoas formadas em Direito — muitas delas com pedigree — torcendo por coisas como “domínio do fato”, “ato de ofício indeterminado” e quejandos. Parece que esquecemos que o Direito é/foi feito exatamente para impedir o triunfo das Eríneas.

Meus 28 anos de Ministério Público e quase 40 de magistério mostraram-me que, por mais que um discurso moral, político ou econômico seja tentador, ele deve pedágio ao Direito. Alguém pode até confessar que matou alguém, mas, se essa confissão for produto de uma intercepção telefônica ilícita, deve ser absolvido, porque a prova foi ilícita. Esse é o custo da democracia. Você pode pensar o que quiser sobre o réu; mas, como autoridade, só pode agir com responsabilidade política. Dworkin, para mim o jurista do século XX, sempre disse que juiz decide por princípio, e não política ou moral. Simples assim. E, assim, o custo da democracia é que a acusação, o Estado, deve ter o ônus da prova. Não é o juiz que faz a prova nem é o juiz que intui provas. A teoria da prova é condição de possibilidade. Ou vamos apagar centenas de anos de teoria da prova.

Isso quer dizer, de novo — e minha chatice é produto de minha LEER (Lesão Por Esforço Epistêmico Repetitivo) —, Direito não pode ser corrigido pela moral. Isso tem me conduzido. Disse isso nos momentos mais difíceis, inclusive no caso das nulidades contra Temer, de Aécio e dos indevidos pedidos de prisão do ex-presidente Sarney. Bueno: é só acessar minhas mais de 300 colunas neste site. E meus mais de 40 livros. E 300 artigos. Todas as semanas denuncio, aqui na ConJur, a predação do Direito pelos seus predadores naturais — a moral, a política e a economia. E me permito repetir o poeta T. S. Eliot: numa terra de fugitivos, aquele que anda na direção contrária parece que está fugindo. Mais: faz escuro, mas eu canto, diria Thiago de Mello, eternizado pela voz de Nara Leão.

Por tudo isso, fazendo minha oração à deusa Palas Atena ao cair da tarde do dia 24 — com o peso de mais de mais de 2.500 anos de história e mitologia —, fico pensando no que vai acontecer com o Direito brasileiro depois disso tudo. Se a moral e os subjetivismos valem mais do que o Direito, o que os professores ensinarão aos alunos? Teoria Política do Poder? Mas de quem? A favor e contra quem? Por isso, de forma ortodoxa, mantenho-me nas trincheiras do Direito. É mais seguro. Aliás, foi o que fez a diferença para a modernidade: a interdição entre a civilização e a barbárie se faz pelo Direito. Até porque, se hoje você gosta do gol de mão, amanhã seu time pode perder com gol de mão. E aí não me venha com churumelas.

Post Scriptum: Há um momento do julgamento de Lula em que o presidente da turma diz: “Terminamos a primeira fase — a das sustentações orais. Faremos um intervalo de 5 minutos e, na volta, o relator lerá seu voto”. Ups. Ato falho? O relator lerá seu voto? E as sustentações? Lembro que, no julgamento mitológico de Orestes, os jurados não tinham o voto pronto. Cada um votou depois de ouvirem a defesa e a acusação. É incrível como, no Brasil, 2.500 anos depois, os votos vêm prontos e não levam em conta nada do que foi dito nas sustentações orais. Nem disfarçam. Afinal, por que manter, então, esse teatro? Se a decisão está tomada? Isso não é um desrespeito a quem sustenta? Insisto: o ensino jurídico no Brasil tem futuro? Ficções da realidade e realidade das ficções! E pior: há milhares de professores que, por aí afora, não protestam contra isso tudo. Aliás, de quem é a culpa do livre convencimento? Os professores são coautores. Artigo 29 do CP na veia. Mesmo assim, resisto.

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*Procurador do Estado aposentado, Mestre, Doutor e Pós-Doutor em Direito Constitucional.  Professor de Direito Constitucional. Autor de 40 livros jurídicos.