Íntegra do voto do Desembargador Relator do caso do vereador Gildo

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Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
4ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 – Porto Alegre/RS – CEP 90110-906

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5224331-30.2024.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO: Ato normativo
AGRAVANTE: JOSE LEOVEGILDO FORTES DA SILVA
AGRAVADO: PRESIDENTE – CAMARA MUNICIPAL DE SANTIAGO – SANTIAGO

DESPACHO/DECISÃO

 

Trata-se de agravo de instrumento interposto por JOSÉ LEOVEGILDO FORTES DA SILVA, nos autos do mandado de segurança impetrado contra ato do PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE SANTIAGO, em
face da decisão (Evento 4, da origem) que indeferiu a medida liminar, assim redigida:  Trata-se de mandando de segurança impetrado por JOSÉ LEOVEGILDO FORTES DA SILVA , em face do PRESIDENTE – CAMARA MUNICIPAL DE SANTIAGO – SANTIAGO. Alegou, em síntese, que no dia 0703/2024 o vereador Haroldo Rios Pouey protocolizou denúncia em face do impetrante, perante a autoridade coatora, em decorrência de alegações feitas pelo impetrante na tribuna da casa legislativa municipal. Conta que o ato contínuo foi o início do processo ético-disciplinar, o qual foi encerrado em 04/06/2024, culminando na cassação do mandato do impetrante. Informa que a tramitação do processo ético-disciplinar começou de maneira correta, todavia, na instrução probatória, houve desrespeito ao princípio do contraditório, com a negativa de oitiva de testemunhas arroladas pelo
impetrante. Requer, em sede liminar, a suspensão do Decreto Legislativo Municipal n.º 009/2024, para o fim de ser reintegrado no seu mandato de vereador, neste município. Ao final, postulou a procedência total do pedido, com a decretação da invalidade do procedimento ético-disciplinar e efeitos do Decreto Legislativo 009/2024. Recolhe custas.

Anexa documentos no Evento 01.

Relatei.
Decido.
1.- Recebo a inicial.
2.- O mandado de segurança é remédio constitucional que visa resguardar direito líquido e certo que tenha sido negado ou ameaçado por autoridade pública no exercício de atribuições do Poder Público.
É cediço que direito líquido e certo é aquele que pode ser exercitado já no momento da impetração da ação, estando manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão.
Exige-se, portanto, que seja comprovado de plano, inexistindo dilação probatória, sendo fixada a lide com a mera prestação de informações por parte da autoridade coatora a respeito das provas e alegações do impetrante, além de manifestação do Ministério Público.
Admitem-se todas as formas de prova admitidas em lei, mas desde que acompanhadas da peça exordial – salvo se
na posse do impetrado ou superveniente –, devendo haver prova pré-constituída das situações de fato que embasam
o direito invocado. (Hely Lopes Meirelles, Mandado de Segurança. São Paulo: Malheiros: 2008. pp. 39-40).

Por outro lado, a concessão da tutela de urgência, conforme o artigo 300,caput, do Código de Processo Civil,
depende dos seguintes requisitos: a) elementos que evidenciem a probabilidade do direito; b) o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

O deferimento ou não da tutela de urgência não é uma liberalidade, mas uma medida que preserva o impetrante de dano irreparável, por isso não pode ser negada quando presentes seus pressupostos e, também, não deve ser
concedida na hipótese de respectiva ausência.

De plano, saliento que a eventual cassação de mandato eletivo constitui ato político, reservado exclusivamente à Câmara Municipal de Vereadores, cabendo ao Poder Judiciário tão somente o controle da legalidade do
procedimento.

No caso em comento, o impetrante apontou a nulidade do procedimento ético-disciplinar, ao não observar os princípios do contraditório e ampla defesa, consagrados na Constituição Federal, bem como do Decreto-Lei n.º
201/1967, legislação local.

Observo que o impetrante não juntou aos autos o Decreto-Lei n.º 201/1967, ônus que lhe cabia, conforme determina o art. 376, do Código de Processo Civil, e também em observância ao art. 373, I do mesmo diploma legal.
Processo 5224331-30.2024.8.21.7000/TJRS, Evento 7, DESPADEC1, Página 1
O impetrante afirma que não foi observado o direito de defesa em razão do indeferimento da prova testemunhal que postulou a produção.

Todavia, verifico que constou em Ata, a justificativa pelo indeferimento da prova testemunhal, conforme se observa no evento 1, ATA8 . Ou seja, houve, análise da viabilidade de oitiva das testemunhas arroladas pelo impetrante, e o
indeferimento não se confunde com cerceamento de defesa, como alegado pelo autor, autorizando de pronto a antecipação dos efeitos da tutela.
Assim, não há como visualizar, em cognição sumária, a ocorrência de ilegalidade no procedimento que acarretou a cassação do mandato de vereador do impetrante, o que deverá ser apreciado em sentença.

3.- Assim, face à ausência de convencimento necessário deste juízo em sede de cognição sumária,

INDEFIRO a medida liminar.

4.- Notifique-se a autoridade apontada como coatora para prestar as informações no prazo de 10 (dez) dias, conforme art. 7º, I, da Lei n.º 12.016/09.
5.- Decorrido o prazo para as informações, com ou sem elas, certifique-se e dê-se vista ao Ministério Público.

6.- Por fim, voltem conclusos para sentença.

Partes intimadas. Em suas razões, o agravante relata que teve seu mandato de vereador cassado, nos termos do Decreto-Lei nº 201/67, sob justificativa de quebra do decoro parlamentar. Sustenta o descumprimento dos princípios
do devido processo legal, contraditório, ampla defesa e imunidade parlamentar. Assevera que a comissão processante deliberou por não ouvir as 10 testemunhas arroladas quando da apresentação da defesa prévia.

Entende que a negativa da oitiva ofende o inciso III do art. 5º do Decreto-Lei nº 201/67, pois este dispositivo lhe concede o direito de arrolar testemunhas e da comissão processante o dever de realizar a colheita das provas
testemunhais. Defende não competir à comissão processante deliberar pela aprovação ou rejeição da realização de audiência das testemunhas, inexistindo previsão legal nesse sentido. Salienta, ainda, que o art. 29, III, da CRFB/88,
lhe assegura imunidade material, garantindo-lhes a inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato. Menciona que seu mandato foi cassado por quebra de decoro parlamentar em razão de possíveis
ofensas proferidas da tribuna da casa legislativa a um secretário municipal e ao prefeito do município. Explica a relação existente entre o exercício do mandato de vereador e as palavras proferidas nas sessões legislativas.

Requer a concessão de tutela recursal e, ao final, pugna pela reforma da decisão agravada.

É o relatório.

O mandado de segurança trata-se de ação constitucional destinada à proteção de direito líquido e certo, não amparável por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for pessoa jurídica de direito público ou pessoa jurídica de direito privado no exercício de atribuições do Poder Público, conforme dispõe o inciso LXIX do art. 5º da Constituição Federal. Referida ação possui rito célere, por cingir-se à demonstração da liquidez e certeza do direito, que por sua natureza, possa ser de pronto demonstrado por prova inequívoca. Assim é a lição de Hely Lopes Meirelles: Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração.

Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável
por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu
exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais. (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil
pública, mandado de injunção, “habeas data”, ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e argüição de descumprimento de preceito fundamental. 25 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. P. 36-37)

A concessão da liminar, em sede de mandado de segurança, tem cabimento, segundo dispõe o inciso III do art. 7º, da Lei nº 12.016/2009, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja ao final deferida, não se prestando a via mandamental ao debate de direitos que não estejam demostrados de plano.

Assim, dois pressupostos devem concorrer para a concessão da medida liminar, quais sejam, que os motivos que embasam o pedido sejam relevantes e que haja possibilidade de ocorrência de lesão irreparável ao direito do impetrante se vier a ser reconhecido apenas ao final – trata-se, pois, do “fumus boni iuris” e do“periculum in mora”.

Leciona Hely Lopes Meirelles que “a medida liminar não é concedida como antecipação dos efeitos da sentença final, é procedimento acautelador do possível direito do impetrante, justificado pela iminência de dano
irreversível de ordem patrimonial, funcional ou moral se mantido o ato coator até a apreciação definitiva da causa. Processo 5224331-30.2024.8.21.7000/TJRS, Evento 7, DESPADEC1, Página 2
Por isso mesmo, não importa prejulgamento; não afirma direitos; nem nega poderes à Administração. Preserva, apenas, o impetrante de lesão irreparável, sustando provisoriamente os efeitos do ato impugnado”.

Insurge-se o agravante contra a decisão proferida no mandado de segurança por ele impetrado, que indeferiu a liminar requerida.
Importante ser destacado que o procedimento em debate no presente feito é regulado por lei específica – Decreto-Lei nº 201/67, que dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, e dá outras providências.
Há que se ter presente que o controle jurisdicional do ato político/ administrativo é limitado à sualegalidade e legitimidade, sendo vedado o exame do mérito pelo Poder Judiciário, sob pena de afronta ao princípio
constitucional da separação de poderes.

Com efeito, a Comissão Processante do processo de quebra do decoro parlamentar fundamentou adequadamente o indeferimento da oitiva das referidas testemunhas. De outro giro, cabe ao destinatário da prova
decidir sobre a necessidade de dilação probatória para a formação de sua convicção, o que torna possível a dispensa produção de outras provas.

No caso, a Comissão Processante, como destinatária da prova, e em razão do prazo exíguo para a conclusão do processo, tem o poder-dever de indeferir a produção de provas inúteis, protelatórias ou que não tenham pertinência com o objeto do processo, sem que isso configure cerceamento de defesa, na medida em que o direito à produção de provas encontra limites no próprio ordenamento jurídico, não sendo admitidas aquelas impertinentes, desnecessárias, protelatórias ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos, não cabendo ao Poder Judiciário adentrar no mérito desta decisão.
O contrário inviabilizaria e tumultuaria a conclusão do julgamento na Câmara Municipal no prazo legal, o que deve ser rechaçado pelo Poder Judiciário.
Nessa perspectiva, em sede de cognição sumária, não há falar em direito da impetrante que tenha sido lesado por ato ilegal ou abusivo da autoridade impetrada.

Noutro passo, a imunidade material dos vereadores é uma proteção conferida pela Constituição da República, assegurando a liberdade de expressão no exercício de suas funções.

De acordo com o art. 29, VIII da Lei Maior, os vereadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do município. Essa imunidade tem como objetivo garantir que os edis possam desempenhar suas funções de fiscalização e legislação sem o risco de represálias ou processos judiciais decorrentes de suas manifestações dentro do âmbito do mandato.

No entanto, essa imunidade não é absoluta. A proteção se restringe ao âmbito do município e ao exercício do mandato, e abrange somente a responsabilização civil e criminal, o que significa que atos praticados
fora desse contexto, ou que não estejam diretamente relacionados ao exercício das funções legislativas, não estão cobertos por essa imunidade.

Assim, a imunidade não impede que vereadores sejam responsabilizados por crimes comuns ou por abusos de suas prerrogativas no âmbito político, garantindo-se a proteção do exercício da função  pública sem abrir espaço para a impunidade.

O caso dos autos versa sobre a responsabilização de vereador no âmbito político, em conformidade com o procedimento estabelecido no Decreto-Lei nº 201/67, pelo que entende-se não ser possível acolher-se a tese
de imunidade material apresentada pelo agravante, sob pena da incidência de imunidade absoluta e irrestrita, ao arrepio das normas do Código de Ética Parlamentar (Lei Municipal nº 105/2005) e do próprio decreto-lei que
dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores.

Nesse sentido, cabe mencionar trecho da ementa de julgamento no Supremo Tribunal Federal, da relatoria do Ministro Roberto Barroso, que bem elucida a questão: (…) 2. As manifestações do parlamentar possuem nexo de casualidade com a atividade legislativa. 3. A imunidade
cível e penal do parlamentar federal tem por objetivo viabilizar o pleno exercício do mandato. 4. O excesso de linguagem pode configurar, em tese, quebra de decoro, a ensejar o controle político 5. Não incide, na hipótese,
a tutela penal, configurando-se a atipicidade da conduta. Precedentes. Queixa-crime rejeitada (Pet 5.647, Relator(a):
Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 22/09/2015, DJe 26-11-2015). (grifou-se).

Assim, tem-se que os vereadores possuem imunidade material para o exercício do mandato livres de pressões externas. No entanto, suas opiniões, palavras e votos têm o conteúdo limitado pelas exigências de decoro
parlamentar, nos termos das normas aplicáveis à espécie, não havendo impedimento que a casa legislativa decida, interna corporis, sobre a sanção ao parlamentar, nas hipóteses em que a manifestação se mostrar incompatível com o decoro parlamentar.

Ante o exposto, preenchidos os requisitos de admissibilidade, recebe-se o agravo de instrumento Processo 5224331-30.2024.8.21.7000/TJRS, Evento 7, DESPADEC1, Página 3 5224331-30.2024.8.21.7000 20006358672 .V26
apenas no efeito devolutivo. Comunique-se ao juízo a quo, solicitando as informações de praxe.

Intime-se o agravado para responder, querendo, nos termos do art. 1019, II do CPC.

Após, remetam-se os autos ao Ministério Público, retornando, conclusos para julgamento.

Diligências legais.

Documento assinado eletronicamente por ALEXANDRE MUSSOI MOREIRA, Desembargador Relator.


NOTA DO BLOG 

A respeito de toda a polêmica, decidimos registrar  o voto do Doutor Desembargador Relator, sendo indeferida a liminar ao Vereador Gildo, tanto no juízo a quo, quanto no juízo ad quem, que é o juízo do Tribunal de 2º grau.

Agora, deve haver julgamento do mérito e ainda podem ser empregados recursos ao STJ (recurso especial) ou ao STF (recurso extraordinário), estando o prazo aberto as partes.

Nosso blog, sempre respeitoso com todos, não toma partido, apenas trás a luz os fatos para conhecimento do nosso povo, afinal envolve um vereador santiaguense.

Fica muito claro no voto do desembargador a questão da imunidade formal e material, sendo que o vereador têm limitações fortes nesse emprego de sua liberdade. A imunidade material diz respeito à liberdade de expressão e voto, a imunidade formal diz respeito à privação da liberdade de ir e vir. Importante isto: A imunidade formal é concedida apenas a Deputados Federais e Estaduais e Senadores.

É evidente que ainda haverá posição judicial acerca do mérito e sempre cabe recurso da decisão do poder judiciário de 2ª instância, no caso, nosso TJRS.

Sinceramente, como não conheço o advogado do vereador GILDO sequer sei que linha ele adotará, embora a decisão do voto, no mérito, no segundo grau, possa comprometer a candidatura do vereador, mas, repito, como não conheço o advogado do vereador sequer sei qual a linha ele adotará.

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