Ou muito me engano ou … sobre nossas almas e a mansão do amanhã

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*JULIO CÉSAR DE LIMA PRATES

Iniciei a faculdade de sociologia com uma grande definição em minha vida: queria ser professor.

Era bastante jovem, recém chegado em Porto Alegre. Fazia a produção do Programa TV Mulher, Rede Globo/RBS. Logo, defrontei-me com um dilema horrível. Eu olhava os salários dos jornalistas e via o horror que eram os salários dos professores. Uma verdadeira miséria. Era o início dos anos 80. Essa história vai custar muito para mudar.

No curso que eu fazia, tínhamos duas opções, o bacharelado, voltado para Pesquisas, e a licenciatura, voltada para o magistério. Neófito, mal entendia como um professor ganhava tão pouco. Também não entendia, como, eu, sem ser jornalista, ganhava tão bem e como os demais colegas também ganhavam muito bem.

Não sei bem quem sou eu até hoje. Enquanto estudava sociologia pura, escolhi dirigir-me para Pesquisas, mas também estudava língua hebraica e francês, na Aliança.

No Instituto Judaico Marc Chagall, conheci e firmei grandes amizades. Leonardo Grabois, sobrinho de Maurício Grabois*, virou meu grande parceiro e amigo. Leonardo era médico-psiquiatra, longa vivência na França e em Israel.

Quando fui eleito presidente estadual da comissão de ética do Partido Socialista Brasileiro, Leonardo Grabois foi meu secretário-geral. Coube a nós presidir a expulsão de um grupo de socialistas que queriam se separar do Brasil. A turma de Iltom Marx, de Santa Cruz do Sul. Grabois formou-me em medicina no ano em que eu nasci, na Universidade Federal do Paraná, figura humana amável e maravilhosa.

* Maurício Grabois dá nome ao Instituto do PC do B e foi o líder da Guerrilha do Araguaia. É irmão do pai de Leonardo Grabois. Família reconhecida internacionalmente, são judeus.

Grabois adorava girar pelo Vale do Sinos. Ele tinha uma tese sobre a mulher: “Júlio César, mulher é como socialismo, não tendo a ideal, se fica com o quem se tem”. Girar pelo vale do Sinos era perambular pelos bares de Campo Bom, Novo Hamburgo … nós tínhamos grandes ligações com o sindicato dos sapateiros … sindicatos poderosos, fortes. O Vicente, a quem eu conheci em Campo Bom, modesto operário, acabou sendo eleito Deputado Federal pelo PSB naquela época

Mas Grabois gostava de olhar e analisar os comportamentos. Embora médico, ele tinha uma veia sociológica forte e por alguma razão escolheu-me para ser seu melhor amigo.

Quando ainda cursava sociologia, comecei a abrir contato com o Mestrado em Sociologia rural, na UFRGS. Era meu sonho. Escrevia longos textos sobre o impacto do Mercosul nas pequenas propriedades familiares do Rio Grande do Sul. Imperceptivelmente, creio hoje, comecei a misturar economia com sociologia e a mergulhar num enredo complexo.

Mas eu também passava enfiado com o Direito. E acabei fazendo Direito. Mas, mal entrei para o Direito, liguei-me a nova escola jurídica, conheci pessoalmente Roberto Lyra Filho* e aí passava mais envolvido com Filosofia do que o Direito propriamente dito.

*Jusfilosofo, Professor Doutor pela UNB, criador da Teoria Dialética do Direito e da Nova Escola Jurídica. Autor de obras como O QUE É DIREITO e KARL MEU AMIGO, DIÁLOGO COM MARX SOBRE DIREITO. Faziam-lhe companhia Warat (O Saber Crítico e Senso Comum Teórico dos Juristas) , Wolkmer, Chauí, Agostinho Ramalho Marques Neto …

Lia Foucault, mas também lia a anti-psiquiatria. No direito, nas cadeiras de medicina legal, voltei-me para a psicanálise e comecei a estudar Freud e Lacan. Achava Jung muito místico.

Mas eu também vivia uma contradição terrível. Se de um lado achava Jung místico, de outro, vivia atolado nos livros de Valdomiro Lorenz, sobre Cabala. Acabei na sociologia das religiões. O judaísmo é fascinante. Boa parte dos meus amigos judeus, são ateus. Contradição? Não, Marx, Lenin, Trotsky … quem não é?

Quem acompanhou bem essa minha trajetória, em Porto Alegre (antes de  me mudar para São Paulo) foi o nosso colega, Advogado local, Cilon Pinto, ele é bem anti-judeu e era amigo íntimo do Bernardo e sabe bem da sinagoga que frequentávamos no bairro mais judeu de Porto Alegre, o Bonfim. Cada vez que encontro o Dr. Cilon ele vem me provocar com o Protocolo dos Sábios de Sião. Inteligentíssimo, gosto muito do Cilon.

Aí …

… Desisti da ideia de ser professor. Pensei que eu seria um homem completo quando dominasse os arquétipos das principais ciências e assim comecei e incursionar pelas ciências políticas, pela sociologia, pela filosofia, o marxismo me levou – naturalmente – a economia, direito, psicanálise, antropologia … logo, conclui que o saber sistematizado em cada curso superior era uma robotização da pessoa, eu imaginava um ser humano com conhecimentos mais amplos … um curso superior (como o Tiago defende) só aliena e pessoa dentro daquela armadilha. Fico escandalizado com as cabeças de juízes e promotores dessa geração mais jovem. São altamente mecanicistas, embora não saibam sequer quem foi Althusser ou Marta Harneker. Se me escandalizo com o mecanicismo, não é diferente meu juízo sobre o maniqueísmo. Isso é impossível no Rio Grande do Sul? Ximango ou maragato? Grêmio ou inter? Arena ou MDB?

Tive a felicidade de conhecer  Bárbara Freitag e sua proposta de interdisciplinaridade. Conheci-a pessoalmente, assim como seu esposo Sérgio Rouanet, diplomata, tucano, que vive sendo atacado pelos tucanos que acham que ele é PT, pela lei de incentivo à cultura que leva seu nome. Foi aí que comecei a descobrir meu verdadeiro eu. Mas já era tarde demais.

Fiquei 30 anos lendo quase de tudo. Maduro, consciente, não há mais espaço na minha vida para ler Humberto Eco e como elaborar uma tese. A vida segue em frente. O que eu fiz foi uma loucura luxuosa de obter prazer com o conhecimento. É como ser necessário a delícia de um Henri Jayer Cros Parantoux-Vosne Romanee Premier Cru numa bela taça de cristal olhando o por do sol do Guaíba … com caviar ou pão torado com patê francês de coração de aves … e quem sabe ouvindo Bach, Tocata e Fuga, em ré menor …

Tive o privilégio do contato com a melhor literatura alemã, francesa e russa … pude comprar os livros que desejei …

Poucas pessoas entendiam minha amizade com o Dr. Ruy Gessinger. Mas ele é uma das raras pessoas que conheci, nesse retorno, que tem cabeça, erudição, sabedoria e conhecimento. Existem, na magistratura gaúcha, bons quadros, juízes sábios. Mas são poucos. Grassa mecanicismo e aflora maniqueísmo.

Seguindo …

Um dia, eu percebi que cada campo das ciências, tem seus paradigmas. Obviedade ululante, diria Nelson Rodrigues. Levei anos para entender isso.  Eu não entendia a antropologia. Mas também não tinha método para chegar nos paradigmas. Por favor, não confundam Método com metodologia. Método é produto raro. Foi incursionando com Método que descobri que tudo se assentava num tripé: fonologia, psicanálise e marxismo. Saussure, Freud e Marx,  Darcy Ribeiro (e Roberto da Mata) estavam debulhados em minhas mãos, até a semiologia e a construção e desconstrução de cortes epistemológicos, à Japiassu.

Um dia descobri: Tudo Começou com Maquiavel, de Luciano Gruppi, aí comprei um dicionário de ciências políticas, de Norberto Bobbio e descobri uma obra fascinante: As concepções políticas do século XX, de François Chatelet e Evelyne Pisier-Kouchner, de onde derivou-se minha melhor visão acerca do Estado. Embora, ressalve, no curso de sociologia, tive uma boa base anterior, em ciência política, estudando a origem do poder e as primeiras formas primitivas de Estado.

Se eu fosse pedreiro, faria casas, sentaria tijolos. Como são sei bem ao certo quem sou até hoje, vou trabalhar com quem não sabe nada ao certo, aqui todo mundo grassa a pretensão e o exílio daquilo que não compreendemos.

Logo, punimos, quem pensa diferente. É melhor rotular, depreciativamente, aquilo que não compreendemos do que tentar entender aquilo que nos parece distante.

Quero voltar à Sinagoga do Bonfim,  seguir com minhas amizades, rever velhos amigos e trabalhar, trabalhar, com meu ofício.

Amizades que ficam, pois a política passa.

Eu sou mortal, erro muito, tenho grandes limitações, sou frustrado em muitas coisas, perdi uma família que eu amava muito e que por  ela daria minha vida, enganei-me terrivelmente com pessoas que amei muito e de forma pura e sincera. Enganei-me muito com pessoas que se diziam amigas, mas eram ávidas em cravar um punhal nas minhas costas.

Mas, chega a hora que uma decisão precisa ser tomada. Uma conjunção e uma série de fatores colidiram na conspiração cósmica para que tudo acontecesse.

O amor existe, é lindo. É conjunto de afeições profundas. Pouca gente sabe o que é amar por completo. É tudo tão complexo. Nossas almas são inquietas. Irrequietas. Buscamos sempre a mansão do amanhã. Minha filha me faz repensar tudo.


 

 

*Autor de 6 livros, jornalista nacional com registro no MtB nº 11.175, Registro Internacional de jornalista nº 908 225, Sociólogo e Advogado.

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