Há exatos 6 anos atrás, Nina, minha amada filhinha chegou em minha casa com esse quadro pintado por ela. Orgulhosa e faceira, sabendo que ela não tinha casa, pediu-me para escolher um lugar de destaque para colocarmos seu quadro. Assim fiz e ficou bem bonito.
Tão logo eu publiquei uma foto com o lindo quadro dela, logo veio a reação belzebuziana que certamente nunca foi compreendida em seus 8 anos. Na cabecinha dela, certamente, ela guardava seus pertences divididos, um pouco na casa da mãe dela e outro pouco na casa do pai dela. Não imagino que uma criança com 8 anos, que tem os pais separados, consiga pensar diferente.
Ela retirou o quadro e cedeu as ordens autoritárias, pois o quadro não poderia ficar comigo. Notei seu olhar de tristeza e uma certa dor, pois ela sempre soube o quanto eu prezo e valorizo o que é dela.
É assim que vamos vivendo a vida e eu pagando o preço de ser um pai separado e convivendo com a intolerância, com a insensatez e com a incompreensão de gente que se diz cristã, mas sempre pronta para magoar e ferir quem não se submete aos seus caprichos e arrogâncias. Gente sempre ávida por machucar e ferir, mas é a vida, é o preço que pagamos, cada um paga um preço diferente e ninguém vive impune aos juízos dos outros.
Sempre notei que eu fui marcado pelo ciúmes e pela inveja das pessoas que nos rodeavam, embora eu não tivesse a dimensão e o alcance do ódio que sempre atraí por ser como eu sou e por ter uma filhinha como eu tive.
Mas, afinal, como em AMADEUS, aquele filme de MOZART onde o ciúme é bem retratado, embora tivesse que assisitir ao filme 3 vezes, pude captar e compreender onde residem esses males altamente subjetivos, que geralmente ninguém sabe explicar. Aliás, isso é também retratado num filme de faroeste, do ano de 1950, onde um pai sofre com o ódio entre os filhos. E o meu estimado amigo DAVI DAMIAN, um gênio em nosso meio, achou o filme e me presenteou, embora o tenha assistido há uns 40 anos atrás, mas me marcou muito por tratar do ciúmes e da inveja, LANÇA PARTIDA, um filme produzido em 1950, que o nome – traduzido com exatidao – é Flecha Quebrada.
Aliás, existem pessoas que estão próximas de nós, sejam familiares ou sejam amigos, e nos odeiam pelo viés que eles compreendem de nós, pelo simples fato de como criamos uma filha, em suma, eles odeiam tanto o que não compreendem, mas que julgam pelos seus instrumentais teóricos. Isso o filme AMADEUS retrata bem a relação entre MOZART e SALIERI, sendo que MOZART nunca percebeu a extensão do ódio que SALIERI tinha dele, um ódio mesclado com uma profunda admiração.
Certamente, SALIERI tinha sua grandeza, que era justamente mergulhar e entender, como nenhum outro humano, a obra de MOZART. Lembro-me que li um ensaio de PILLA VARES justamente abordando esse problema e esse impasse, nem sempre descortinado e nem sempre compreendido, até porque não é objeto de mergulhos acadêmicos, salvo raras exceções. Pilla Vares foi secretário municipal de cultura de Tarso Genro. Raro um intelectual do porte de Pilla Vares aceitar o desafio de um cargo executivo, mas, enfim, se deu muito bem.
Confesso que o bom dos meus diálogos com DAVI DAMIAN, não sem razão o mais qualificado nome nosso em Psicanálise, sendo MESTRE E DOUTOR pela conceituada UFRGS, é que consigo interagir num campo que os psicólogos, filósofos e psiquiatras nem de longe conseguem adentrar, refletir e entender.
As pessoas que estão mais próximas de nós, muitas vezes são as que mais nos odeiam, mas nos admiram e não medem esforços para destruir com nossas vidas, basta eles verem uma chance e uma oportunidade. Esse é um viés até bastante obscuro, complexo para os nossos limites e raramente compreendido, pois um psicanalista precisa ser muito bom e ter muito alcance para entender como se processa toda essa complexidade.
A dor de minha filha com seu quadro é uma síntese desse ódio, embora com seus 8 aninhos de idade, ela nunca tenha percebido o que eu percebi, quase ao final de minha vida.
Anos depois, eu encontrei o quadro pintado por NINA jogado num galpão no meio de desprezos e lixos.