Hoje pela tarde, recebi um e-mail do meu prezado amigo Neltair Abreu, popular Santiago, reconhecido pela crítica mundial como um dos 10 maiores cartunistas do planeta, assim indicado no Salão de Tóquio, Japão.
Eu prestei algumas ajudas ao conterrâneo na produção do livro sobre o Russo, alma milagrosa cujos restos mortais estão enterrados no cemitério municipal. E hoje o Santiago quis saber se essa foto do túmulo que eu lhe mandei, há dois anos atrás, era de minha autoria. O autor da foto parece ser mesmo o colega Rafael Nemitz e dei ciência ao cartunista dessa informação.
O Russo vai dar o que falar. Já publiquei crônicas do Oracy Dornelles sobre sua morte, sobre o sofrimento que passou antes de morrer, cujo corpo foi estirrado com vida na antiga cadeia, hoje câmara de vereadores e no exato local onde será construído o multipalco Caio Abreu. Contam que ele ainda foi trazido com vida, que gritava muito em função dos ferimentos e lhe deixaram morrer a míngua.
O cartunista Santiago conseguiu os autos do processo de então. Leu tudo atentamente e o fato constitui-se num notável fenômeno sociológico (falo em sociologia da religião e fenômeno messiânico) na medida em que seu túmulo é alvo de amplas visitas, centenas de plaquinhas agradecendo por graças alcançadas, o povo faz oferendas com cigarros, charutos, garrafas de cachaça, grãos de milho, dezenas de velas queimadas por dia.
Nesse dia de finados haverá uma peregrinação ao seu túmulo. O Russo não é um santo institucionalizado, mas é o santo mais popular de Santiago e da região, nenhuma outra cidade tem um herói-ladrão cuja alma dizem ser santa e que atende a preces (fato comprovado nas centenas de plaquinhas de agradecimento).
Agora, o Russo vai ser imortalizado pelas mãos do maior cartunista do mundo e um dos maiores intelectuais do nosso Estado, o santiaguense Neltair Abreu, mais conhecido como Santiago e sua história vai correr o Brasil e o mundo, desde o vilipêndio desonroso que fizeram com seu corpo, de não entrar pelo portão da frente do cemitério e sim jogado pelos fundos, até os urros desesperados pelos ferimentos e a morte a míngua, sem socorro.
É claro que essa história do Russo é uma questão ideológica e deve ser vista do ponto-de-vista da luta de classes em nossa cidade e região. Para alguns setores da sociedade santiaguense Russo é um bandido e não merece tal culto. Para outros, ele é o mais popular herói e santo de nossa cidade. Se não é um santo legitimado pela Igreja Católica, o é legitimado pela aclamação popular e deriva-se daí a perspicácia e a leitura de Santiago.
Reconhecemos o esforço da Professora Rosâni Vontobel com seu projeto “Santiago do Boqueirão, seus poetas quem são”. Segundo a Professora esse epíteto era uma tentativa de anular aquele outro famoso que nos identificava por esse Brasil afora: “Santiago do Boqueirão, quem não é bandido é ladrão”. Ironicamente, nossas elites estão furiosas, pois a obra de Santiago vai dar notoriedade a quem eles chamam de ladrão e bandido. Um ladrão e bandido que a aclamação popular transformou em santo e milagreiro e cujo o túmulo é alvo de peregrinação. A dialética é fantástica, escreve certo por linhas tortas e a história oficial agora será recontada, reescrita e reinterpretada.
Que peça o destino está pregando na sociedade santiaguense.