*JULIO PRATES
Lembro-me de quando tinha 12, 13, 14 e 15 anos. Sábados a tarde sempre ficava encerrado no meu quarto lendo os livros da biblioteca do Partido Comunista que me eram emprestados pelo senhor Aparício Gomes da Silveira. Muito cedo li Jorge Amado, Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Tolstoi e Dostoiévski.
Meu caráter foi formado lendo sobre a vida de Luiz Carlos Prestes, a quem eu vim conhecer, anos mais tarde, quando trabalhava na assessoria na Assembleia Legislativa.
Curiosamente, hoje sou bem amigo de uma neta dele e ela sabe o quanto me inspirei nele para formar meu caráter.
Nunca botei um cigarro em minha boca, e até hoje sequer conheço maconha ou cocaína. E não me arrependo de nada em minha vida. Conheço o Direito e sei bem onde começa e onde termina o direito.
Com ele aprendi que nada é maior na vida de um homem que a honra e a palavra empenhada. Homens sem palavras, mentirosos, para mim perdem o valor.
Um dia contei para Nina sobre um senhor que houvera limpado nosso pátio. Ao chegar em casa Eliziane me disse que tinha ficado devendo 10 reais para o seu Otacílio, que morava na Vila Rica. Na mesma hora, tirei o carro da garagem fui até a casa dele pagar os 10 reais que havíamos ficado lhe devendo.
Anos passados, prestando serviço militar obrigatório, eu era líder do pelotão de Comando, onde tinham apenas 6 soldados. Havia uma manobra fora do quartel e houve um incidente com 3 soldados, Procópio, Sales e Norberto, que fugiram das manobras e foram fumar maconha. Presos, foram submetidos a uma série de torturas pelos oficiais. Esta caso está aberto até hoje.
Houve uma rebelião dos soldados e decidimos prender os oficiais dentro da barraca. Imagino que eram 6 deles. Eles tinham munição e nós só o FAL com a baioneta. Seria uma carnifinica, pois eu pedi para que furassem-nos em suas cabeças, para não sobreviverem e alertei que muitos de nós seriam mortos.
Dei minha palavra e foi assim. A carnificina só não aconteceu porque o então sargento Bibi interveio num diálogo comigo, prometeram terminar a manobra, todos voltariam ao quartel e as torturas cessariam.
Na ordem de dia, o capitão comandante pede para os que estavam descontentes saíssem fora de forma.
Apenas eu sai.
Mas começava ali o meu martirio que até hoje não terminou.
Mas naquele momento, jovem, com 18 anos, percebi que eu tinha que manter a minha palavra empenhada, sem me importar com a omissão dos demais.
A lição maior que herdei das histórias de Luiz Carlos Prestes e dos honrados comunistas que me formaram, era que um homem tem que ter palavra e que homem sem palavra não tem valor.
Em meio a uma monumental derrota, certamente a maior de toda a minha vida, passei a tarde desse sábado desocupando móveis que não usei e queria doá-los. Sem notar que chovia, encerrado em casa, separei tudo com detalhes, desde cabides, até lamparinas, birots e roupeiros…Nunca vendo o que não quero, simplesmente dou para alguém que precisa.
Foram momentos de profunda dor, uma dor machucada, mas eu apenas pensava comigo que eu havia honrado minha palavra, quando disse que receberia e acolheria essa pessoa em minha casa. E durante um ano fui comprando tudo para interação num mesmo ambiente. Divisórias, cortinas, wi-fi, ícones, plaquinhas, birots, tudo, em suma, tudo para dar exemplo de que a palavra de um homem define sua honra. Eu sei bem tudo o que houve, quem mentiu, gente que nunca perdoarei porque não admito falta de caráter, graças a um apoio essencial, de meses e anos, tive tudo em mãos e sei bem a extensão da podridão. Meu sangue é um só. Sei bem mais que demonstro sobre tudo de tudo.
Por instantes, não controlava minhas lágrimas, mas sei que a vida é de feita de pessoas que honram o que dizem e de pessoas sem compromisso com a verdade. Para essas, tudo tanto faz, quanto tanto fez.
Nas horas desse sábado, foram vários filmes em minha cabeça, vários, filmes e lágrimas. Mas nenhum espaço para arrependimento, apenas convicção de que a Verdade deve ser absoluta sempre.
Fiquei encerrado em casa, arrumei tudo, separei tudo, tudo com muita dor, talvez a pior dor de minha alma. Mas é o custo que pagam as pessoas que não mentem e que sustentam suas palavras.
Não me importa mais nada nessa vida, desde que minha honra seja inatacada. E minha honra se associa com minha palavra, com a palavra dada e com a palavra empenhada.
Sei bem como a gente vai morrendo quando se defronta com esses gestos que cortam mais que punhais de duas lâminas. E esses cortes fictos, espirituais, são os piores, pois esses nunca cicatrizam e os carregamos com nossos corpos para o rito final da vida.
Mas são nossas escolhas. E o espaço que separa a honra da não honra.
Vivo numa sociedade em que ninguém mais tem honra. Conheci as pessoas mais sem caráter de minha vida e notei o quanto tudo é podre, falso e o quanto a mentira se confunde com a Verdade. Entretanto, eu tenho uma vida e só uma ética, prefiro morrer a ter que enganar alguém ou trair minha palavra.
Vivo sozinho e não me abalo por nada. Poucas pessoas sabem o que é ser sincero e honesto o tempo todo.
Estou pronto para qualquer coisa na minha vida, desde que eu não precise mentir e nem trair minha principiologia de honradez.

*Autor de 6 livros, jornalista nacional com registro no MtB nº 11.175, Registro Internacional de editor/jornalista nº 908 225, Teólogo, Sociólogo e Advogado, Pós-graduado em Leitura, Produção, Análise e Reescritura Textual. Também é Pós-graduado em Sociologia.