*Júlio Prates
Foi no curso de pós-graduação em Letras ( Leitura, Produção, Análise e Reescritura Textual ) que eu tive a oportunidade de ler, refletir a aprofundar no pensamento de Saussure e a reflexão necessária sobre os meios e sistemas de comunicações vigentes numa sociedade.
Aí reside o maior impasse. Justamente, estudar e entender os meios e sistemas de comunicações. Não vou entrar aqui no debate sobre silogismos, paralogismos e aporemas.
Este é um artigo breve, para meu blog, portanto não se trata de nenhum ensaio acadêmico, mas, sim, uma reflexão em cima dos fatos e como se dá a leitura desses.
Sempre escrevi que emprego o conceito de “ideologia” como visão de mundo, nas manifestações individuais ou coletivas, produzidas na arte, pintura, escultura, dança, música, literatura … Assim, tomo e emprego o conceito de ideologia como sinônimo de ideia, sendo muito mais gramsciano do que marxiano propriamente dito. Com o devido respeito às formulações hegelianas.
A interpretação de um fato social qualquer, comporta – sempre – mais de uma leitura. Depende do enfoque ideológico de quem interpreta esse fato.
Vou ser didático:
1 – A coalizão, liderada pelos EUA, que invadiu o Iraque, convenceu a opinião pública (tenho vários textos sobre opinião pública), que o regime sunita de Saddam Hussein detinha arsenais de armas biológicas e que o regime representava uma ameaça para a humanidade.
Invadido o Iraque, ultrajados os sunitas, banho de sangue, milhares de mortes inocentes, logo verificou-se que as tais armas biológicas de destruição em massa eram uma grande mentira. Ou seja, uma fake-news contada pelas grandes redes internacionais de televisões e toda a imprensa acrítica, que comprava a mentira como verdade. Até hoje não apresentaram uma prova das tais armas.
2 – Eu fui educado, desde criança, aprendendo que o Paraguai tinha um ditador terrível: Solano Lopes. E que os bonzinhos da tríplice aliança do Brasil, Argentina e Uruguai, se uniram para combater o tirano. Anos depois, já moço, estudando História Econômica Mundial, no curso de sociologia, (afe, fui aluno de Helga Picollo) descubro que o Paraguai era um país fortemente desenvolvido, tinha uma indústria pujante e que até grandes ferrovias nacionais confrontavam o poder inglês. Então, contrariados, os ingleses manipularam os idiotas do Brasil, do Uruguai e da Argentina, e fizeram nossos povos combater e destruir Solano Lopes, que, por ser um nacionalista, impedia o desenvolvimento do capitalismo inglês na região. Essa é a maior fake-news histórica de nossas vidas.
3 – Diariamente, quando assistimos pastores anunciando o final do mundo, intimidando as pessoas, manipulando as cabeças, acaso isso não é fake-news?
4 – A rigor, todo o discurso religioso, que é apenas uma questão de fé, é – sim – fake-news, afinal ninguém tem como comprovar a veracidade que existe por trás das construções discursivas do espiritismo, do cristianismo, do judaísmo, do islamismo e até o sono perpétuo do corpo com a alma, esperando a volta de Cristo, dos Testemunhas de Jeovás e Adventistas. Quem pode garantir o que é falso e o que é verdadeiro nesse imbróglio? A rigor, é tudo fake-news. Inclusive o taoismo, o confucionismo, o budismo …
O pensamento de direita, por exemplo, colide sempre com o pensamento de esquerda no tocante aos costumes. O nu de um homem pode ser visto como “artístico” ou “falta de pudor”, isso depende dos valores, ritos, costumes …de quem está fazendo a leitura daquele nu.
A leitura de Maquiavel, por exemplo, condensa mais de uma interpretação ou leitura. Para uns, “O Príncipe” pode ser um instrumento de dominação. Para outros, pode ser uma arma útil aos dominados, pois desnuda a dominação em si.
Hoje, existe no Brasil um claro e visível confronto entre duas ideias fundamentais, desde como o cidadão vê as instituições, até como as aceita, criticamente ou acriticamente.
A crítica associa-se à liberdade de expressão, por mais dura e áspera que possa ser, senão não é crítica. O próprio presidencialismo não é um dogma em si mesmo, afinal aí existe o parlamentarismo, ou, se quiserem, a própria monarquia. Uma crítica ao STF, por exemplo, comporta mais de uma leitura e não se associa – necessariamente – com uma tentativa de anular o poder judiciário. A crítica pode ser aos ocupantes do cargo e não a instituição. Agora, eu já li vários ensaios sobre inteligência artificial, que incidem na superação humana no ato de julgar. O mesmo, com o avanço da telemática, fala em substituir o parlamento pela auscultação direta do povo (friso que emprego a expresso povo no sentido político e população no sentido demográfico).
O exercício do poder se relaciona com sua legitimidade e manutenção; e as formas de legitimação vão desde as ditaduras armadas até a criação de um consenso hegemônico de um povo – o que não quer dizer: absoluto.
O Brasil, hodiernamente, vive um choque de ideias e visões de mundo antagônicas entre si. Direita e esquerda pensam de forma diferente as relações sociais encetadas pelos poderes e as formas de comunicações expressas nas manifestações e narrativas.
Um fato expresso na rede globo é considerado falsa notícia por quem não pensa como os ideólogos da emissora. As mídias alternativas, especialmente as redes sociais, lançaram, no debate, uma narrativa que se choca com os atuais padrões de dominação, logo são consideradas falsas notícias.
O que é falsa notícia para um receptor de direita, pode não ser falsa para um receptor de esquerda, e vice versa, seja na interpretação das leis, da Constituição, dos costumes, do modo de vida, etc …
Acaso os marxistas, todas as correntes que defendem a ditadura do proletariado, a abolição de classes sociais e a posse e socialização dos meios de produção, são menos autoritários que a direita que pede o fechamento do congresso e do STF?
Grasso erro mesmo é tentar criminalizar quem pensa diferente, julgando apenas com os instrumentais teóricos de apenas um campo de pensamento, ignorando a pluralidade de ideias e as narrativas divergentes entre si.
Esta encruzilhada em que se encontra o Brasil, seria desnecessária se tivéssemos este entendimento, que é básico para a harmonia numa sociedade onde os campos ideológicos, visões de mundo e costumes, são diferentes. Porém, professados por integrantes de uma mesma sociedade em suas diferentes estratificações e níveis, das classes dominantes às dominadas.
Pensar diferente, seria endossar o monopólio totalitário do pensamento único, a seguir o embate fratricida detonado a partir do entendimento de cada um sobre o que é falsa notícia.
Agir ao contrário, é agir como os acendedores de lampiões, revoltados com o advento da luz elétrica.
Tudo é algo a ser superado, inclusive o fundamentalismo e os dogmas. De ambos os lados. Do contrário, a intolerância e a ditadura do pensamento único estará semeada, pois floresce, sim, ameaças aos direitos e garantias fundamentais.
De todos os absurdos legislativos que eu conheço e conheci, essa lei das fake-news é a maior mediocridade de todos os tempos. Não partisse do congresso nacional do meu país, certamente sentir-me-ía no mais obscuro medievalesco, com cheiro de carne humana nas fogueiras, das mulheres que eram queimadas porque despertavam desejos ardentes nos inquisitores. Esses, sem saberem lidar com o desejo, preferiam dizer que elas eram a encarnação do demônio.
Queimar mulheres nas fogueiras inquisitoriais era a verdade de uma época. Torar judeus nas câmeras de gás, era a eliminação de uma raça que pensava e era diferente. Mas era a verdade de uma época.
Escravizar negros e chibatá-los, estuprar negras e arrancar seus seios, era o normal e a verdade de uma época.
Os sábios do senado federal não se tocaram que tudo é relativo, que tudo tem duas versões, pelo mínimo, e que uma verdade hoje, pode não ser mais uma verdade amanhã. Eterno mesmo, só a burrice e olha que isso também pode ser relativo tooooiiiinnnngggg.
*Advogado, Jornalista e Bacharel em Sociologia.